quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Artistas Populares / ARTIGOS



EU NÃO SOU CACHORRO, NÃO
Por Pedro Jorge*

"Ao unir a Música Popular Romântica e a MPB, ao questionar conformismo e resistência e ao confrontar tradição e modernidade no campo musical, o livro Eu Não Sou Cachorro, Não livra os cantores/compositores populares do esquecimento da história. Preenchendo a lacuna mais injusta da memória musical do Brasil".
Lula Branco Martins

O livro Eu Não Sou Cachorro Não - Música Popular Cafona e Ditadura Militar (Editora Record, 2002), do jornalista e historiador baiano, de Vitória da Conquista, Paulo César de Araújo se tornou referência no meio artístico-musical pelo brilhante estilo literário e, principalmente pela extensa e prolífica pesquisa feita pelo escritor. Além de sua pesquisa em livros, revistas e jornais, Paulo César também entrevistou diversos artistas populares que relataram com exclusividade, fatos inéditos de suas carreiras artísticas e de seus principais sucessos incluindo, inclusive, o contexto social da época (ditadura militar) em que os mesmos estavam inseridos. 

Ancorado em uma minuciosa pesquisa e amparado em documentos e depoimentos inéditos, este livro mostra como os cantores/compositores populares dos anos 1970, chamados pejorativamente de "cafonas" ou "bregas" sofreram com a censura, o exílio e outras formas de repressão e perseguição exercitadas á época da ditadura militar. Antes deste livro o leitor que é interessado em música popular brasileira poderia vasculhar enciclopédias, revistas e outras publicações que não iria encontrar um verbete ou referência aos artistas populares românticos, como Waldick Soriano, Odair José, Fernando Mendes, Diana, Benito di Paula, Dom & Ravel, Nelson Ned, Wando e outros. Todos foram completamente esquecidos e excluidos da historiografia brasileira. Somente os artistas da MPB, considerados da "elite brasileira", são citados e que só eles foram os atingidos pelo arbítrio da censura imposta na época da ditadura militar.

Muitas vezes, os artistas considerados "popularescos" eram tachados de colaboracionistas do governo. O livro Eu Não Sou Cachorro, Não tem o mérito de estabelecer parâmetros e apontar mentiras tidas como verdades absolutas, desfazendo, assim, equívocos sobre a relação entre a música "popularesca" e a censura. Talvez, a razão principal seja que os críticos, pesquisadores, musicólogos, enfim, os formadores de opinião, pertencem a um segmento da classe média e formação universitária. Ou seja, o que não for tradicional ou moderno, para eles não existe.

Paulo César de Araújo, em uma entrevista exclusiva concedida para a revista Istoé, de 13 de novembro de 2002, diz: "No meu livro, eu não uso nenhum adjetivo para qualificar ou desqualificar qualquer canção ou artista citado. A música aparece ali como um fenômeno social. Mas, evidentemente, eu tenho minhas preferências musicais e elas são bastante amplas. Gosto de escutar desde João Gilberto até Waldick Soriano. Aliás, esse repertório 'cafona'  não me faz rir, me emociona, me faz chorar, principalmente as canções de Paulo Sérgio, que ouvia muito na minha infância".

Nesta mesma entrevista, Paulo César conta sobre o que o motivou a falar dos cantores populares românticos em um livro: "Cresci em Vitória da Conquista/BA, onde ouvia muito rádio. E, durante os anos 1970, cantores como Nelson Ned e Paulo Sérgio faziam muito sucesso. Mais tarde, quando comecei a estudar informalmente a música brasileira, observei que esses nomes não apareciam em nenhum livro, em nenhum fascículo. Notei que que seus nomes não eram citados em debates, em polêmicas. Foi ai que resolvi mergulhar no porquê dessa exclusão. Desde o início percebi que se tratava de uma reação das elites culturais, uma vez que esses artistas eram de muita popularidade, mas estavam excluidos da historiografia".

Na minha opinião, verdadeiramente os grandes artistas populares dos anos 1960/70 como Roberto Carlos, Fernando Mendes, Diana, José Augusto, Benito di Paula, Agnaldo Timóteo e outros, são legítimos representantes da música popular romântica e, não "bregas" ou "cafonas" como muitas pessoas e críticos costumam dizer. Finalizo este artigo citando uma frase da antropóloga alagoana, Rachel Rocha, incluida em uma matéria do jornal Gazeta de Alagoas, de 16 de maio de 2004: "O 'brega' ameaça o produto da elite. Mas o que é, hoje, um produto de elite? O jazz é. Mas houve época em que era tão somente a música dos negros feitos escravos nos EUA". E complementa: "Do mesmo modo que as nossas elites tentam se distinguir pelo consumo daquilo que é de 'bom gosto', o povo, excluido, tenta se destacar pelo consumo do que é fonte de sensação de prazer para ele". 

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ARTISTAS POPULARES * - 1ª Parte 
Por Pedro Jorge*

Entre os anos de 1968 e 1978, toda uma geração de cantores/compositores populares se destacou no cenário artístico-musical brasileiro. Durante uma década estes artistas sempre apareciam nas listas das mais altas vendagens do mercado fonográfico e seus álbuns batiam recordes de execução nas emissoras de rádio. E assim, ao longo de todo aquele período, grande parte da população brasileira, na qual me incluo, cresceu, amou, sofreu e viveu ao som das vozes de Fernando Mendes, Odair José, Waldick Soriano, Diana, Dom & Ravel, Cláudio Fontana, Luiz Ayrão, Paulo Sérgio, Cláudia Barroso e de outros artistas populares; e das canções Cadeira de Rodas, Cadê Você?, Eu Não Sou Cachorro Não, Fatalidade, Última Canção, O Homem de Nazareth e tantas outras, que continuam fazendo parte da memória de milhões de brasileiros.

Apesar do grande sucesso destes artistas populares, que se tornaram patrimônio afetivo das camada populares, esta vertente preciosa da nossa canção romântica tem sido esquecida pela historiografia da MPB (Música Popular Brasileira). A produção artística musical popular é um fato da realidade cultural e, assim como o bossa nova ou o tropicalismo, precisa ser pesquisada e analisada. A história musical "oficial" privilegia a obra de um grupo de cantores/compositores preferido das elites, em detrimento das obras de artistas mais populares.

A seguir leia alguns trechos sobre as carreiras artísticas e/ou curiosidades musicais de alguns cantores/compositores populares que iniciaram, se destacaram e se consolidaram artisticamente nos anos 1960 e 70:

Agnaldo Timóteo
Agnaldo Timóteo tinha cerca de 30 anos de idade quando saboreou pela 1ª vez o gosto do sucesso. "Foi a carreira artística mais difícil do Brasil. Demorei onze anos para chegar ao sucesso", desabafa. 
Trabalhando no Rio de Janeiro/RJ desde 1960 (inicialmente como torneiro mecânico e depois como motorista da cantora Ângela Maria), o mineiro de Caratinga se consolidou como um artista de projeção nacional a partir de 1967, com o lançamento de seu 3º LP: Obrigado Querida. Gravado na Odeon, o disco trazia versões como Os Verdes Campos de Minha Terra, Mamãe Estou Tão Feliz e o seu maior sucesso, a balada Meu Grito, composição do "Rei" Roberto Carlos feita especialmente para o disco novo do cantor.
A presença da tristeza, como um traço psicológico de Agnaldo Timóteo, pode ser notada em sua voz e, em grande parte de seu repertório. "Esta tristeza é porque a fama ás vezes lhe proporciona tudo o que você quer do ponto de vista material, ma você não consegue o que deseja do ponto de vista sentimental", conta Agnaldo Timóteo.

Cláudio Fontana
Autor de O Homem de Nazareth, um do maiores sucessos dos anos 1970 na voz de Antônio Marcos, o cantor e compositor maranhense, de São Luís, Cláudio Fontana, chegou em 1965 no Rio de Janeiro/RJ e, trabalhou como taquígrafo enquanto tentava a carreira artística-musical. Um dos primeiros contatos na Cidade foi com o compositor José Cândido, parceiro de João do Vale em Carcará, composição que naquele ano integrava o show Opinião, estrelado pela cantora Nara Leão e, posteriormente por Maria Bethânia. 
Nesta época ele procurou se enturmar com o pessoal do programa/movimento Jovem Guarda, e em 1967 a sua composição Doce de Coco foi gravada com grande sucesso por Wanderley Cardoso. Mas o nome Cláudio Fontana só alcançou popularidade a nível nacional 2 anos depois, com a gravação do 1º LP e o depois, com a gravação do 1º LP homônimo (Copacabana) e o estouro da faixa Adeus Ingrata, composição de Geraldo Nunes.

Diana (Dianah Iório) 
Diana gravou o seu 1º disco em 1969, um compacto simples, pela gravadora Caravelle, sem obter nenhum êxito de vendagem ou execução. 
No ano seguinte ela se transferiu para a CBS, ocupando a vaga de Wanderlea. Produzida pelo baiano Raulzito (o futuro "Maluco Beleza", Raul Seixas) e cantando baladas românticas como Uma Vez Mais, Fatalidade, Por que Brigamos?, Meu Lamento, Ainda Queima A Esperança, Canção Dos Namorados e outros sucessos, Diana conquistou rapidamente as paradas de sucesso brasileiras, consagrando-se definitivamente como "A Cantora Apaixonada do Brasil".

Fernando Mendes 
A canção Cadeira de Rodas, composição de Fernando Mendes e José Wilson, foi um dos maiores sucessos musicais dos anos 1970. A letra narra a história de um amor platônico entre um rapaz tímido e uma moça paralítica. Segundo o cantor a ideia da canção surgiu em 1974, durante um show no antigo Cine Glória, em Vitória da Conquista/BA. "Do palco daquele cinema eu vi que tinha uma menina sentada numa cadeira de rodas assistindo ao show. Ela estava bem á minha frente, cantando, aplaudindo, sorrindo, ali na cadeira de rodas. E aquela imagem me fascinou na hora. A menina tinha uns 13 anos e se chamava Lindalva e, dizem que ela morava no hospital. Após o show eu falei para o meu parceiro José Wilson para compor uma música com este tema: alguém apaixonado por uma menina de cadeira de rodas. No hotel mesmo eu já fui procurando a melodia e ele, escrevendo a letra".

Nelson Ned 
Conhecido "O Pequeno Gigante da Canção", o cantor e compositor Nelson Ned d'Ávila Pinto nasceu na Cidade de Ubá/MG. Desde 1962 ele tentava a carreira artística no Rio de Janeiro/RJ. Foram vários os percalços enfrentando por Nelson Ned no início de sua carreira artística. 
Em 1964 ele gravou o seu 1º disco, um compacto com a Valsa Eu Sonhei Que tu Estavas Tão Linda, na gravadora Philips e, logo em seguida, o 1º LP na mesma gravadora, com o título Um Show de 90 Centímetros. Este vinil não alcançou nenhum sucesso  ele acabou sendo dispensado da Philips. O cantor prosseguiu tentando uma nova oportunidade em outras gravadoras, e em 1969 lançou pelo selo Copacabana um compacto com 2 músicas que se tornaram imediato sucessos nacionais: Domingo á Tarde e a Balada Tudo Passará, composição que hoje conta com mais de 40 regravações em 10 idiomas.
A tristeza sempre esteve presente no repertório de Nelson Ned. Observo, entretanto, que após a sua conversão á Igreja Evangélica, em março de 1993, o discurso de Ned mudou e agora ele se proclama um homem feliz e, em paz consigo. Mas, em suas composições lançadas no período 1968/78, é difícil encontrar alguma que não traga a palavra triste ou tristeza. "Realmente, eu levava uma vida triste. E a minha tristeza era porque eu era um cara que tinha muita mulher, mas não tinha um amor. Eu não tinha encontrado ainda uma moça que gostasse de mim", desabafa Nelson Ned.
O cantor, romântico e triste, confirma que na dor está um do mais poderosos motores da sua criação artística: "Eu não creio em arte sem sofrimento. O apóstolo Paulo só escreveu as grandes cartas depois que estava preso. Hoje eu sou um cantor evangélico por causa do sofrimento. Eu sou um compositor autobiográfico. Tudo aquilo que está nos meus discos, eu realmente vivi", conta Nelson Ned.

Waldick Soriano
Ao lado de nomes como Dorival Caymmi, João Gilberto, Caetano Veloso e Raul seixas, o cantor e compositor Eurípedes Waldick Soriano é um dos mais emblemáticos e peculiares artistas que a Bahia já apresentou ao Brasil. De terno de linho, colete, chapéu preto e óculos escuros, a imagem de Waldick e o som de seus Boleros eram o símbolo maior da "cafonice" nos anos da ditadura militar. 
Em 1968, Waldick ainda não era conhecido em todo o País. Os seus discos e shows, a maioria realizados em circos, feiras e cabarés, faziam sucesso apenas em algumas regiões do Norte-Nordeste. Foi só a partir de 1969, com o lançamento do Bolero Paixão de um Homem, que o cantor baiano se tornou um nome de projeção nacional. E a tal ponto que, assim como ocorrera com os Beatles e Roberto Carlos, o seu sucesso musical também o levou ao cinema, estrelando filmes como Paixão de um Homem e O Poderoso Garanhão.
"Mesmo quando não estou sofrendo, escrevo músicas para expressar sentimentos que existem em pessoas tão humildes quanto eu. Minha música é sempre triste porque eu sofri muito e não consegui esquecer nada. Está tudo dentro de mim, lá no fundo, como matéria-prima pra minha fábrica de sentimentos", diz Waldick Soriano, que foi um dos maiores mensageiros do amor e da melancolia. Provando assim, que a rejeição social e amorosa se confundem e se traduzem em tristeza e sucesso musical. 

* Este artigo é um resumo de algumas páginas do excelente livro Eu Não Sou Cachorro, Não (Editora Record, 2002) , do jornalista e historiador baiano, de Vitória da Conquista, Paulo Cesar de Araújo. Este livro se tornou referência no meio artístico-musical pelo brilhante estilo literário e, principalmente pela extensa e prolífica pesquisa feita pelo escritor. Além de sua pesquisa em livros, revistas e jornais, o escritor também entrevistou diversos artistas populares, que relataram fatos inéditos de suas carreiras artísticas e de seus principais sucessos incluindo, inclusive, o contexto da época (Ditadura Militar) em que os mesmos estavam inseridos. 

Nota: Na 2ª parte deste artigo incluirei mais detalhes sobre o livro Eu Não Sou Cachorro, Não e resumos das carreiras artísticas e/ou curiosidades musicais dos seguintes artistas populares: Benito di Paula, Cláudia Barroso, Dom & Ravel, Neneo e Odair José.


ARTISTAS POPULARES* - 2ª Parte 
Por Pedro Jorge*

Entre 1968 e 1978, toda uma geração de artistas populares procurou expressar em suas composições as questões que, como pessoas do povo, tiveram que enfrentar. Produziram uma obra musical que, embora considerada pela crítica: tosca, vulgar, ingênua e atrasada, constitui-se em um corpo documental de grande importância, já que se refere a segmentos da população brasileira historicamente relegados ao silêncio. Em muitas das letras do repertório populares revelam pungentes retratos da nossa injusta realidade social. E, neste sentido esta produção não se caracterizou pela atitude meramente conformista e nem pela ausência de crítica ou contestação aos valores sociais vigentes. Apesar desta música expressar em grande medida o universo da ideologia dominante, encontram-se nela aspectos que a fazem contestadora desta mesma ideologia.

A seguir leia alguns trechos sobre as carreiras artísticas e/ou curiosidades musicais de alguns cantores/compositores populares que iniciaram, se destacaram e se consolidaram artisticamente nos anos 1960 e 70:

Benito di Paula
De brincos e colete, indumentária própria dos ciganos, além do violino, dos timbales e do pandeiro, constantes em sua música, o cantor e compositor Benito di Paula é um dos nomes mais populares do cenário artístico brasileiro dos anos 1970 e o símbolo maior do chamado Sambão-Joia. 
Natural de Nova Friburgo/RJ, este sambista cigano começou a atuar profissionalmente em boates da Zona Sul carioca, transferindo-se para as casas noturnas paulistas no início dos anos 1960. Em 1966 gravou o seu 1º disco: um compacto com dois boleros pela gravadora RGE, mas sem alcançar nenhuma repercussão. Assim, em 1968, Benito di Paula continuava conhecido apenas pelos frequentadores da noite, em São Paulo/SP.

Cláudia Barroso
A cantora Cláudia Barroso iniciou sua carreira artística nos anos 1960, gravando canções italianas a exemplo de Dio Come ti Amo (Domenico Modugno), numa versão assinada pelo consagrado jornalista Mino Carta.  
Mas, no entanto, a sua projeção a nível nacional só aconteceria em 1971, com o bolero Você Mudou Demais (Waldick Soriano). Depois ela lançou diversos outros sucessos: A Vida é Mesmo Assim, Quem Mandou Você Errar e outros, tornando-se naquele período a principal porta-voz das amadas-amantes: mulheres que vivem o dilema e um amor proibido pela sociedade.

Dom & Ravel
Em 1968, Dom & Ravel eram 2 obscuros artistas de música jovem, mas suas composições, na maioria românticas, começavam a ser gravadas por cantores do Jovem Guarda, como Jerry Adriani, Wanderley Cardoso e Wanderlea. 
O 1º disco da dupla, um compacto simples, foi gravado na RCA, em 1969, e uma das faixas Desvio Mental, trazia uma letra nonsense, num arranjo revestido de guitarras e vozes distorcidas ao estilo dos Mutantes. O projeto da gravadora era lançar a dupla como os novos astros da Tropicália, mas o disco foi um fracasso completo. O segundo compacto, também lançado em 1969, não teve melhor sorte e o projeto tropicalista foi definitivamente arquivado. A dupla cearense só alcançou projeção nacional no fim de 1970, em consequência do sucesso da marcha Eu te Amo Meu Brasil.
Os irmãos Dom & Ravel , com suas vozes em uníssono procuravam imitar o estilo interpretativo de Otis Redding, o ídolo da dupla. Mas qual a mensagem das canções de Dom & Ravel? "Se você observar bem verá que as letras das nossa músicas mostram sempre a luta de uma classe social contra a outra". Entendo que se há, efetivamente, na produção musical da dupla, como em toda a música popular daquele período, aspectos que a tornam apropriável pela ideologia dominante, há nela também aspectos que a fazem contestadora desta mesma ideologia. 
O 2º LP de Dom & Ravel, lançado em 1974, trazia algumas gravações de forte conteúdo social: O Caminhante, Conflito de Gerações e, principalmente, Animais Irracionais, faixa que incomodou o governo: esta canção aponta para uma das características definidoras da sociedade brasileira - o uso frequente do açoite e do porrete., foi exatamente isto que mais incomodou as autoridades militares da época, levando-as a proibir a execução da música em todo o território nacional.

Neneo
A infância do cantor e compositor carioca Nelson de Morais Filho, o Neneo, foi muito difícil, ele e seus irmãos se alimentavam das sobras de comida de uma fábrica de cigarros. "A minha tia trabalhava na cozinha do restaurante e de lá todo dia ela trazia pra gente um panelão de tutu misturado com macarrão. E, aquilo matava a nossa fome", desabafa Neneo.
"As minhas músicas são bem o retrato de tudo o que foi a minha vida", costuma dizer Neneo. Artista de infância pobre, como a de Martinho da Vila, Wilson Batista, Cartola e tantos outros nomes da nossa música popular, o que mais Neneo guardaria e mais marcante do sue tempo no Morro de Borel? "A miséria, a falta das coisas, a falta de alimento, a falta de sorte daquelas pessoas", diz. O compositor Neneo teve várias músicas de sua autoria gravadas pelo cantor Paulo Sérgio ao longo dos anos 1970 e hoje grava com grupos de pagode e duplas sertanejas, e afirma que as antigas gravações de Paulo Sérgio continuam lhe rendendo um bom direito autoral.

Odair José
Em 1968, o cantor e compositor Odair José de Araújo ainda batalhava a oportunidade de gravar o seu 1º disco. Natural de Morrinhos/GO, o cantor morava no Rio de Janeiro/RJ desde o fim de 1966, quando chegou para tentar a carreira artística. Odair perambulou pela Cidade como um autêntico vagabundo. Numa de suas andanças pelo centro da Cidade, Odair cruzou com o compositor Ataulfo Alves e falou-lhe o desejo de se tornar um artista do rádio. Ataulfo se simpatizou com aquele garoto franzino e o alojou num pequeno apartamento. Outro encontro importante para ele foi com o produtor e compositor Rossini Pinto, que o levou para trabalhar na CBS, onde gravaria o seu 1º disco, em 1970. A partir daí, o cantor foi colecionando uma série de canções de sucesso que o tornaram conhecido como "O Terror das Empregadas" e o "Bob Dylan da Central".
Odair José é um dos herdeiros da melancolia legada pelos colonizadores do Brasil. Suas melodias, suas letras, suas falas, sua aparência, tudo é repleto daquela austera, apagada e vil tristeza. "Eu sempre fui um cara triste, e nem sei explicar o porquê. Se alguém me disser que eu ganhei 30 milhões de dólares na loteria, eu continuarei triste. Nada me alegra", relata Odair José.

* Este artigo é um resumo de algumas páginas do excelente livro Eu Não Sou Cachorro, Não (Editora Record, 2002) , do jornalista e historiador baiano, de Vitória da Conquista, Paulo César de Araújo. 

Nota: Na 3ª e última parte deste artigo incluirei mais detalhes sobre o livro Eu Não Sou Cachorro, Não e resumos das carreiras artísticas e/ou curiosidades musicais dos seguintes artistas populares: Evaldo Braga, Lindomar Castilho, Luiz Ayrão, Paulo Sérgio e Wando.



ARTISTAS POPULARES* - 3ª Parte 
Por Pedro Jorge*

Como intérpretes de bolero se destacaram no período de 1968/1978 os cantores  Waldick Soriano, Nelson Ned, Lindomar Castilho e Cláudia Barroso, que seguem a tradição da influência hispânica que se faz presente no Brasil desde a década de 1940. Um outro grupo vai trilhar a linha do samba, ou sambão-joia, como pejorativamente eram tachados na época: Benito di Paula, Luiz Ayrão e Wando. E um 3º grupo, que engloba a maior parte destes cantores populares, vai se expressar através do ritmo de balada, e tem entre os seus principais representantes Paulo Sérgio, Diana, Odair José, Fernando Mendes, Evaldo Braga, Agnaldo Timóteo e outros, que são continuadores de um estilo romântico consagrado por Roberto Carlos e a turma do Jovem Guarda, nos anos 1960. Portanto, esta geração de artitas populares se expressou basicamente através destes três gêneros musicais: bolero, sambão-joia e balada,  já bastante testados e consolidados no gosto do público ouvinte de rádio e de discos.

Ao analisar cada uma das faixas de diversos discos de artistas populares, vejo que nelas estão registradas sonhos, angústias, tragédias, protestos, dores,, amores, além da visão de mundo de amplos setores das camadas populares. E, isso produzido em um período da nossa história em que os direitos constitucionais estavam suspensos e os canais de expressão da insatisfação popular, bloqueados. Entretanto, por entre as brechas do sistema, representantes de setores populacionais mantidos á margem do centro de decisão política conseguiram falar e ser ouvidos.

A seguir leia alguns trechos sobre as carreiras artísticas e/ou curiosidades musicais de alguns cantores/compositores populares que iniciaram, se destacaram e se consolidaram artisticamente nos anos 1960 e 70:

Evaldo Braga
O cantor e compositor fluminense Evaldo Braga, ficou conhecido e consagrado nacionalmente como "O Ídolo Negro do Brasil". Ele é autor de canções no qual é possível encontrar ecos de uma infância marcada pela pobreza e pelo abandono. Filho de pais desconhecidos, o cantor viveu grande parte de sua infância nas ruas, sendo depois encaminhado para ao antigo SAM (Serviço de Assistência ao Menor, atual FEBEM), onde permaneceu até a maioridade. Ao sair Evaldo foi trabalhar como engraxate na porta da Rádio Mayrink Veiga, no Rio, travando os primeiros contatos com o meio artístico. Em 1969, conheceu o produtor e compositor Osmar Navarro, que o levou pra gravar o primeiro e sonhado disco. Mas o sucesso, o dinheiro e as mulheres não diminuíram o drama do menino pobre e abandonado que convivia em Evaldo Braga. A grande tristeza do cantor era ser filho de pais desconhecidos e o seu maior desejo era encontrar a sua mãe. 
Numa entrevista o cantor recorre á sua trajetória de menino de rua, interno do SAM e ex-engraxate para explicar a tristeza de suas canções de amor. "As minhas músicas são inspiradas, quase todas, nesse meu tempo de luta e de sofrimento. Elas espelham exatamente o que passei, que é, na verdade, o que muitos passam. E, isso explica por que meus discos vendem".
Evaldo Braga faleceu muito jovem. Ele estava com 25 anos de idade e no auge do sucesso quando, na manhã de 31 de janeiro de 1973, o seu automóvel forçou uma ultrapassagem e bateu de frente com um caminhão numa curva da antiga BR-3 (Rio-Belo Horizonte). Evaldo Braga morreu na hora. Enquanto viveu, ele cantou a tristeza, a solidão e a morte.

Lindomar Castilho
Em função do sucesso alcançado em vário Países deste continente, Lindomar Castilho se tornou conhecido como "O Namorado de Las Américas". Ele começou a carreira artística nos anos 1960, na gravadora Continental. Os seus primeiros discos de boleros obtiveram boa aceitação no mercado, mas ainda sem atingir o eixo Rio-São Paulo. O cantor se consolidou como um nome de projeção nacional e internacional a partir de 1970, quando foi contratado pela RCA, por onde gravou várias canções de sucesso, entre as quais Eu Não Nenhum Bandido, Camas Separadas e Eu Vou Rifar Meu Coração. 
Assim como Nelson Ned e Benito di Paula, Lindomar era muito popular nos Países da África, onde seus discos eram lançados quase simultaneamente aos do Brasil. O merengue Eu Canto o Que o Povo Quer chegou aos ouvidos angolanos no momento em que eles estavam em plena guerra de independência contra o colonialismo português. Aliás, o sucesso do cantor era tão grande ali que nos 1970 foi inaugurado um busto em sua homenagem no Departamento de Cultura de Luanda. "Foi uma das maiores emoções de minha vida", recorda Lindomar. Chacrinha parabenizou o cantor, dizendo que aquela era uma justa homenagem a quem "através de sua canções, tanta alegria causa ao povo".

Luiz Ayrão
No quesito grau de escolaridade, o cantor e compositor Luiz Ayrão constitui uma exceção entre os artistas populares da década de 1970. Embora de origem modesta, Ayrão, carioca de Lins, conseguiu dar prosseguimento aos estudos. formando-se em direito numa faculdade particular. Do lugar social de onde se originou Luiz Ayrão era realmente muito difícil para alguém ultrapassar o curso médio e chegar á universidade, privilégio de uma minoria no Brasil. Ainda assim, trabalhando de dia e estudando á noite, o cantor conseguiu receber o seu "canudo de papel". 
Em consequência do seu ingresso no ambiente universitário, Ayrão vai ser um dos únicos artistas desta geração de cantores/compositores populares a fazer algumas canções  com letras intencionalmente políticas. E, em 1977, duas dessas composições tiveram problemas com a Censura: o samba Treze Anos e o choro Meu Caro Amigo Chico. Esta última era uma resposta de Ayrão á mensagem de Meu Caro Amigo, sucesso de Chico Buarque no ano anterior e, provocou entre os censores a inquietação que o nome Chico Buarque provocava na época."Eu e outros artistas populares não estamos na mídia, mas continuamos trabalhando. Faço show todo fim de semana. Se não tiver passagem aérea, vou dirigindo", conta Luiz Ayrão.

Paulo Sérgio
No universo da música popular romântica, no segundo semestre de 1968, a polêmica e o debate estavam na ordem do dia. Entre grande parte de artistas e público de origem popular, discutia-se e torcia-se por Roberto Carlos ou Paulo Sérgio, o jovem alfaiate que se tornaria um ícone desta geração de cantores/compositores populares.. Foi, em 1968, que Paulo Sérgio Macedo despontou com grande destaque em todas as paradas de sucesso do Brasil. 
Natural de Alegre/ES, o cantor surgia com o mesmo sorriso tímido, os mesmos olhos tristes, o mesmo estilo musical e o mesmo timbre vocal do ídolo Roberto Carlos. Gravado em maio de 1968, o 1º LP de Paulo Sérgio rapidamente alcançou a marca de 300 mil cópias vendidas e várias faixas do disco entraram nas paradas de sucesso nacional: No Dia em Que Parti e, principalmente , a balada Última Canção, que era tocada a todo instante nas emissoras de rádio de Norte a Sul do Brasil. Paulo Sérgio não foi o único cantor a iniciar a carreira artística imitando o "Rei", a diferença de Paulo Sérgio com os outros cantores é que ele foi o 1º artista com voz e estilo semelhantes ao de Roberto a alcançar projeção nacional. Como reflexo do enorme sucesso alcançado por Paulo Sérgio, o LP de Roberto Carlos lançado no final de 1968 trazia como título O Inimitável.
Da mistura de povos nostálgicos, abatidos e sofredores nasceu o cantor e compositor Paulo Sérgio. De sua garganta partia um som agoniado e soluçante, expressando um estado de irremediável tristeza. Autor de Última Canção, No Dia em Que Parti e outros hits gravados por Paulo Sérgio, o compositor mineiro Carlos Roberto confirma a que seu amigo não manifestava  aquela alegria que muitos projetam em uma pessoa de sucesso. "Paulo era um cara muito sofrido e melancólico. Ele não conseguia dar um sorriso aberto", diz Carlos Roberto. Assim como nos versos dos poetas do Romantismo, as letras das canções de Paulo Sérgio são cheias de presságios lúgubres e antecipações da morte: Última Canção; Por favor, me Ajude a Viver; a autobiográfica Alfaiate e Não Creio em Mais Nada, são alguns exemplos.

Wando
Mineiro de Bom Jardim, o cantor e compositor Wanderley Alves dos Reis, o Wando, em 1968 morava em Volta Redonda/RJ. Naquela época, Wando trabalhava de feirante durante o dia e era músico de baile á noite, combinação difícil porque, quando ele desligava o som dos instrumentos no clube, já era a hora de abrir as barracas na feira. A carreira artística do cantor deslanchou, a partir de 1971, quando sua composição O Importante é Ser Fevereiro alcançou sucesso na voz do sambista Jair Rodrigues, possibilitando a Wando a gravação de seu 1º disco.

* Este artigo é um resumo de algumas páginas do excelente livro Eu Não Sou Cachorro, Não (Editora Record, 2002) , do jornalista e historiador baiano, de Vitória da Conquista, Paulo Cesar de Araújo. 

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* É funcionário público municipal e um dos administradores do Blog Arapiraca Legal.

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